A Troika Carol


Faz tempo que não tenho convosco aquele tipo de conversa num registo mais intimista, mais tu cá, tu lá. Garanto-vos que assuntos não faltam. Aliás, um tipo nem tem que cavar assuntos. Eles caem-me no colo. Acho que o que me mata mesmo é a diversidade. Adiante...

Hoje lembrei-me de que estamos a chegar ao Natal. É tão bonito o Natal, não é? O Tio Belmiro e o Tio Jerónimo ficam doidos nesta quadra. É vê-los a dar mais pulos que os miúdos. No princípio do parágrafo usei o termo “lembrei-me” porque sinceramente nem dava por ele. O meu desânimo é exponencialmente oposto ao ânimo dos Tios Belmiro e Jerónimo.

Lembrei-me do Dickens e do seu, talvez, mais famoso personagem, o Sr. Scrooge. É icónico e já deve ter sido clonado para lá de um milhão de vezes. Eu próprio já o fiz, mentalmente, umas 47. Agora estou pronto para vos dar uma delas. Cheguem-se aqui à fogueira.

O Pedro era agora um homem de grande poder. Em bom rigor, liderava os destinos de um pequeno rectângulo de terra de gentes pacatas. Era um reino tranquilo que apenas abanava quando o clube mais representativo dos seus habitantes perdia (utilize o clube que mais lhe aprouver. Não sou assim tão mesquinho). Pedro acabara de perder o seu sócio e parceiro de grandes decisões, o Zé pá. O malandro do Zé tomara à sua revelia decisões ruinosas para o pequeno estado soberano. Já o Zé se havia desculpado com o Zé Manel e este, por sua vez, com o António (isto poderia saltar de culpado em culpado e em loop).

Por falar em loop, saltemos no tempo e na história e vamos atalhar para aquela parte em que depois da assombrosa aparição do Zé, este lhe fala dos três espíritos que o visitarão, durante a próxima noite.

Dormia tranquilamente o Pedro quando a primeira das aparições acontece. Assustado, mas avisado, Pedro pergunta o que lhe quer transmitir o tal espirito. Surpreso pelo pragmatismo do primeiro, o espirito desenvolve: Olha brother, eu apenas cá vim para te lembrar dos teus tempos passados. Dos tempos em que eras um jota cheio de pujança e de ideias frescas para mudar o mundo. Dos tempos em que eras apenas mais um dos brothers africanos a morar em Massamá. Lembras-te como a vida era simples nessa altura? Como o futuro parecia tão próspero? Basicamente era isto. Agora orienta-me aí umas moeditas para o estacionamento. Inté.

O Pedro também lera Dickens. Conhecia a história e não se deixou impressionar. Esperou sentado pela segunda visita. Não houve nada de espiritual agregado a isso. Um vidro a partir, um calhau quase a abrir-lhe o sobreolho e eis o espirito do Natal presente a entrar pela janela.

Blá, blá, blá, blá, presente e isto é o que temos: Vês ali? Enquanto o teu colega e homónimo está a trocar de Vespa para um Audi A7, repara como, logo ao lado aquele cidadão está a entregar o carro, para, provavelmente, ir buscar a tal da Vespa? E ali naquele outro canto? Consegues ver aqueles 230 senhores todos contentes nas compras de Natal, a encherem-se das mais variadas iguarias? Então compara lá com os restantes 10 milhões a quem estás a tirar o direito a poder ter algo de melhor nesta quadra do que o Natal dos Hospitais? Achas bem? Hum? Achas? Isto é culpa tua, sócio!

Nesta altura deveria aparecer o terceiro e último espirito. Pedro espera. Os minutos passam, as horas correm e nada. Estranhamente o conto começa a ficar desvirtuado. Nunca tal sucedera nos enésimos remakes. Já nada é como dantes. Nem as histórias! Pedro deita-se num misto de perplexidade e de alívio. Mas o que o Pedro não sabe é que o coitado do espirito não pode aparecer porque, não tendo dinheiro para pagar os contínuos aumentos dos combustíveis e sem cheta para comprar os novos passes não sociais e milionários, mais não pode do que ficar sentado a ver o aquele gordo do Preço Certo, no serviço público que a televisão do estado nos oferece. Espectáculo!

Moral deste plágio idealístico: Não existem espíritos, Pedro. Isto está mesmo a acontecer. E a cada dia que passa, lá vens tu com mais uma surpresa, como se fosse um qualquer ovo Kinder. Abre a pestana, Pedro!

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